10 livros para conhecer línguas e povos indígenas

Você sabia que o Brasil é o 10º país no ranking de diversidade linguística? São cerca de 200 línguas faladas nesse território. Nem todos os países do mundo têm tanta riqueza linguística no seu quintal!  

2022 marca o início da Década Internacional das Línguas Indígenas, um movimento dos povos indígenas de todo o mundo organizada pela Unesco. Também em 2022 teremos uma exposição no Museu da Língua Portuguesa toda dedicada às línguas e culturas indígenas! Além disso, no dia 09 de agosto celebrou-se o Dia Internacional dos Povos Indígenas (confira a programação do Museu da Língua Portuguesa). 

Para ir aquecendo, reunimos dez publicações importantes para quem quiser adentrar o universo dos povos originários do Brasil. Esta seleção foi feita pensando em orientar quem busca aprender tanto línguas como culturas e cosmologias, levando em consideração que são muito diversas as visões de mundo desses povos. 

Não é uma lista exaustiva, tem muito mais coisa por aí. Incentivamos que todos entrem em contato com a vasta literatura sobre os povos originários, por exemplo, com as iniciativas da Uk’A Editorial e a Livraria Maracá. Afinal, conhecer a riquíssima diversidade linguística e cultural do Brasil contribui tanto para o entendimento de nossa história, como para a promoção do respeito à pluralidade de existências. 

  

 

1) Línguas brasileiras: Para o conhecimento das línguas indígenas, Aryon Dall’Igna Rodrigues. São Paulo: Edições Loyola, 1986. 

Começando por uma obra essencial nos estudos da área, o livro do linguista Aryon Rodrigues organiza, de forma sistemática, conhecimentos sobre as línguas indígenas no Brasil e as relações que se descobriu entre elas. Por seu caráter de divulgação, destina-se ao público geral, não apenas a especialistas, de modo que conversa com qualquer pessoa interessada nos povos indígenas desse país. 

O autor, no início do livro, já deixa avisado a quem o lê que não há um povo indígena, mas sim muitos povos, diferentes entre si, cada qual com seus próprios costumes, tecnologias, organizações sociais, filosofias e, claro, línguas. É um ótimo começo para adentrar a ampla diversidade linguística – e cultural – do nosso país. 

Além disso, o trabalho de Aryon Rodrigues contribuiu de maneira crucial para o conhecimento a respeito das línguas indígenas brasileiras tanto entre profissionais quanto entre leigos, e desempenhou um papel muito importante na formação de uma nova geração de brasileiros que se envolveram no estudo de línguas indígenas, tanto que, desde o final dos anos 1980, houve uma intensificação nas pesquisas sobre o tema, o que foi fundamental para um grande aumento na abrangência e na qualidade do conhecimento científico sobre as línguas brasileiras. 

 

2) Línguas indígenas: tradição, universais e diversidades, Luciana Storto. Campinas: Mercado de Letras, 2019. 

Outro livro que contribui muito para a compreensão da riqueza linguística do Brasil, bem como a situação precária em que se encontra grande parte dessas línguas. A autora, Luciana Storto, é professora e pesquisadora de línguas indígenas no Departamento de Linguística da Universidade de São Paulo, dedicando-se principalmente à língua karitiana, da grande família tupi, falada no estado de Rondônia. 

Neste livro, encontramos uma ótima introdução ao tema, bastante acessível ao público não especializado. Por meio de dados concretos e muito interessantes das línguas indígenas, a pessoa que está começando a conhecer esse mundo logo pode se familiarizar com a realidade das línguas dos povos originários. Sabiam que, de acordo com uma hipótese de Aryon Rodrigues, Rondônia seria a região onde a família tupi emergiu 5 mil anos atrás? Isso porque é nessa região em que se concentra a maior diversidade das línguas dessa família linguística. Neste livro, Luciana Storto traz informações sobre a morfologia verbal dessas línguas que emigraram de Rondônia que corrobora a hipótese dessa região como terra originária do grupo tupi. 

Os capítulos 1 e 2 apresentam um panorama das línguas indígenas no Brasil, com suas classificações em famílias, subfamílias e o casos de línguas isoladas. Também mostra, com muitos exemplos, a grandeza da diversidade linguística em nosso território. Já nos capítulos 3, 4 e 5, Storto vai nos pormenores de análises de morfologia, sintaxe, semântica, pragmática, fonética e fonologia, mas sempre partindo de uma contextualização mais ampla, para só então aprofundar nos temas. 

Já o tema do capítulo final é arte verbal e tradições orais, no qual são discutidos uma narrativa ritual na língua karitiana e alguns fragmentos de narrativas mitológicas na língua kuikuro. Vemos que um dos recursos frequentemente usados para dar efeito poético é uma estratégia conhecida como paralelismo, ou seja, a repetição de sentenças previamente mencionadas, com pequenas variações na forma, na estrutura ou no sentido. 

Aliás, a obra é um bom exemplo para quem quiser conhecer de forma mais ampla as frentes em que atuam linguistas, já que a autora passa por diversos níveis de análise enquanto nos apresenta os estudos indigenistas. O livro introduz o leitor em todos os aspectos relevantes do estudo das línguas indígenas, contemplando seus contextos históricos, sociolinguísticos e políticos atuais, sendo muito relevante em cursos sobre linguística indígena nas universidades brasileiras, ou mesmo para qualquer pessoa interessada em discussões sérias sobre o tema. 

Este livro está disponível para consulta no CRMLP. 

 

3) Índio Não Fala só Tupi: uma viagem pelas línguas dos povos originários no Brasil, Bruna Franchetto e Kristina Balykova (org.). Rio de Janeiro: 7Letras, 2022. 


A começar pelo nome, esse livro vem a público com o objetivo de fazer circular entre a população brasileira a grande variedade de línguas indígenas que há no país. O título traz em si duas provocações: a palavra “índio”, assim no singular, invisibiliza a existência de muitos povos distintos; enquanto “tupi” oculta a existência de centenas de línguas diferentes.  

Na Introdução, as autoras – que têm um longo percurso nos estudos indigenistas – apresentam as discussões acerca dos termos “índio”, “indígena” e “povos originários”, assumindo, por um lado, a reivindicação deste último termo e, por outro, as dificuldades de se livrar da herança colonial ao usar termos já sedimentados na língua. 

A obra passa pela questão da educação em língua indígena, bem como dos desafios da escrita dessas línguas. Também oferece uma conversa sobre a retomada de línguas, com as estratégias adotadas pelos povos cujas línguas já foram extintas. Nesse caso, “língua” é tida como um construto político como ferramenta para existir, resistir e reagir. A obra é dividida em dezessete capítulos, passando por uma amostra de línguas significativa que percorre diversas regiões do Brasil.  

O livro é uma iniciativa de pesquisadores que querem aproximar as línguas indígenas do público não especialista no assunto, com linguagem pensada para ser acessível a esse grupo. Os fatos linguísticos são apresentados de uma maneira simples, porém rigorosa, com muitos exemplos, numa linguagem atraente, conduzindo os leitores, de todos os tipos e proveniências, a descobertas e à reflexão crítica. Como dizem as autoras na Introdução, “o universo das línguas nos ensina a igualdade na diversidade, e vice-versa”.  

 

4) Método moderno de tupi antigo – A língua do Brasil dos primeiros séculos, Eduardo de Almeida Navarro. São Paulo: Global, 2006.  

Esta obra já é um título incontornável para quem busca aprender sobre uma das línguas indígenas mais conhecidas e com tantos reflexos no português brasileiro: o tupi. Seu autor, Eduardo Navarro, é filólogo e lexicógrafo especialista nas línguas tupi antigo e Língua Geral Amazônica, ou nheengatu. Professor no Departamento de Letras Modernas da Universidade de São Paulo, é uma das grandes referências na área. 

O livro tem a finalidade de ensinar a língua indígena que mais importância teve na construção cultural de nosso país. Seu objetivo é capacitar o aprendiz a ler os textos quinhentistas e seiscentistas nessa língua, por meio de vocabulário e muitos exercícios. Vemos também a preocupação de mostrar a penetração do tupi antigo na toponímia brasileira, na língua portuguesa, em nossa literatura. 

Em “Método moderno…”, o professor Navarro retoma a língua falada nos três séculos coloniais tanto por indígenas como por brancos europeus, adaptando a gramática e percorrendo diversas categorias linguísticas, com exercícios para prática e contextualização do ambiente indígena. 

 

5) Diversidade linguística indígena: estratégias de preservação, salvaguarda e fortalecimento. Iphan, Brasília, 2020. 

A publicação é resultado do I Encontro Internacional sobre Diversidade Linguística Indígena (I EIDLI), realizado pelo Iphan em outubro de 2019 no âmbito do II Congresso Internacional sobre Revitalização de Línguas Indígenas e Minoritárias (II CIRLIN), e promove um diálogo intercultural entre a América Latina Indígena.  

A obra promove o encontro de diferentes perspectivas de diferentes povos sobre a questão da salvaguarda das línguas indígenas, de modo a confrontar visões, abordagens, práticas e políticas sobre a diversidade linguística, evidenciando que o tema pode ser tratado por meio de perspectivas plurais, de acordo com as histórias e contextos sócio-políticos de cada agente envolvido (o evento contou com participantes indígenas do Brasil, México, Guatemala, Peru e Chile). 

O livro oferece um leque de estratégias pensadas coletivamente por pesquisadores, professores e pensadores indígenas da América Latina com base em suas práticas, realidades, reflexões e desejos. Trata-se, portanto, de ótimo material para quem se interessa pelas discussões acerca da preservação das línguas indígenas em nosso continente. 

O download do arquivo pode ser feito no site do IPHAN.  

Este livro está disponível para consulta no CRMLP. 

 

6) Fala de bicho, fala de gente. Cantigas de ninar do povo Juruna. Cristina Martins Fargetti, participação de Marlui Miranda. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2017. 

O livro traz uma narrativa juruna sobre o início dos tempos, quando animais, plantas e coisas falavam da mesma forma que humanos, e como esses elementos pararam de se entender. As cantigas de ninar que trazem a fala dos bichos-gente (que falavam como humanos, mas se comportavam como bichos) resgatam algo muito distante no tempo. Elas também apontam para um contexto mais amplo da cultura Juruna; a autora Cristina Martins Fargetti o faz por meio da etnolinguística; enquanto Marlui Miranda adentra a etnomusicologia, estudando as partituras das cantigas. 

Os Juruna são um povo da família tupi e vivem no Parque Indígena do Xingu, no estado do Mato Grosso. Juruna, aliás, é um exônimo, ou seja, não é o nome usado pelo próprio povo, e foi dado a eles por outros indígenas e pelos brancos – vem do nheengatu e significa “boca preta”. A autodenominação desse grupo é Yudjá, que significa “povo do rio”, já que são exímios canoeiros e pescadores. 

A linguista Cristina Martins Fargetti estuda a língua e cultura esse povo desde 1989, adquirindo profundo conhecimento e proximidade com membros dessa etnia, a ponto de identificar particularidades culturais que vão do tipo de humor à existência de uma categoria de animais que eles chamam bicho-gente. 

Além do registro do processo de pesquisa, gravação e aproximações com o povo Juruna, tudo muito bem ilustrado ao longo do livro, também compõe a obra uma reunião de 49 cantigas de ninar, cantadas por mães e avós ao embalar crianças, prática que as faz resistir ao processo de aculturação que ameaça os povos originários desde o contato com os não indígenas. 

A obra também conta com um estudo e partituras compostos pela musicista Marlui Miranda, bem como um CD com as cantigas nas vozes das mulheres Yudjá. 

Este livro está disponível para consulta no CRMLP. 

 

7) Povos indígenas: terra, culturas e lutas, Benedito Prezia. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2017. 

Benedito Prezia é dessas pessoas que vêm dedicando uma vida ao trabalho com os povos originários. Neste livro, apresenta um panorama geral sobre a realidade indígena brasileira com uma característica específica: o material foi concebido e estruturado como um livro didático, de modo que possa ser trabalhado em sala de aula por professores que desejem articular o tema com os estudantes. 

A obra propõe uma viagem no tempo, remontando à chegada dos povoadores iniciais do continente, mostrando que estão aqui há milhares de anos. Ao longo de sete capítulos, com boxes e seções de conteúdo extra, são focalizados aspectos importantes da cultura (como o papel da mulher, dos idosos e das crianças), bem como o universo religioso de alguns povos.  

Com muitas fotografias de atividades cotidianas de diferentes culturas, o material contribui para a expansão do repertório imagético que o público geral tem sobre esses povos. Além disso, somos apresentados a diversos grupos que vivem em áreas urbanas, desfazendo o mito de que indígenas vivem apenas em meio à floresta.  

A ideia é que, ao fim do livro, os leitores se sintam estimulados a conhecer mais sobre esses povos, tornando-se também aliados em suas lutas. 

 

8) Jene Ramjwena Juru Pytsaret: O que habitava a boca de nossos ancestrais, Lucy Seki. Rio de Janeiro: Museu do Índio, 2010. 

O projeto editorial desenvolvido pelo Museu do Índio/Funai tem alcançado boa repercussão entre especialistas e a população interessada no tema. Jene Ramjwena Juru Pytsaret é o primeiro volume de uma coletânea bilíngue de narrativas míticas Kamaiurá. São oito narrativas de mitos muito antigos conservados na memória dos narradores, transmitidas oralmente de geração em geração – como reflete o próprio nome do livro, “o que habitava a boca de nossos ancestrais”. Elas foram registradas e traduzidas com base no relato dos monoretajat, os “Senhores de Histórias”, e com auxílio de diversos indígenas. As histórias vêm ilustradas por desenhos feitos pelo povo Kamaiurá e acompanhadas por uma contextualização inicial, além de diversas notas etnográficas, que aprofundam a leitura ou detalham diferentes aspectos socioculturais desse povo. 

Também é bastante acessível para o público não especializado por conta de sua linguagem e as ferramentas que oferece para acompanhar o conteúdo. Por exemplo, há uma seção com o “Guia de pronúncia e convenções notacionais” para orientar a pessoa não especialista quanto às escolhas do sistema de escrita. 

“Estou contando para todos, para não-índios também. É uma pena que os não-índios não saibam nossas histórias, mas agora poderão conhecê-las”, diz Kanutary (Koka) na Apresentação do livro. 

Lucy Seki é uma das pioneiras da pesquisa de línguas indígenas no Brasil e também publicou, em 2000, a Gramática do Kamaiurá, uma gramática descritiva, ampla, cuidadosa, com uma generosa introdução e três anexos: textos interlinearizados, a lista de itens lexicais que constam nos exemplos e uma lista de clíticos e afixos, resultado de um longo e exaustivo trabalho. 

 

9) A queda do céu: palavras de um xamã yanomami, Davi Kopenawa e Bruce Albert (trad. Beatriz Perrone-Moisés). São Paulo: Companhia das Letras, 2015. 

Publicado originalmente em francês em 2010, traz as meditações do xamã a respeito do contato predador com o homem branco. A queda do céu foi escrito com base nos relatos a um etnólogo, nas trocas de uma longa amizade – foram mais de quarenta anos de contato entre Bruce Albert, o etnólogo-escritor, e o povo de Davi Kopenawa, o xamã-narrador.   

O livro está dividido em três partes, além de páginas iniciais dedicadas a introduções escritas por teóricos e páginas finais voltadas para as notas e os anexos, escritos por Bruce Albert. 

Na primeira parte, Davi Kopenawa relata sua trajetória de vida desde a infância numa região isolada, que depois passa a ter vários surtos de doenças por conta da presença de pessoas brancas, até quando passa a trabalhar na Funai. Esses relatos dão bastante ênfase aos momentos tanto de troca cultural quanto de amostras do preconceito que afetava a vida de Kopenawa. 

A segunda parte tem um foco maior na percepção de mundo dos yanomami e sua filosofia. É uma parte mais dinâmica, principalmente quando foca na consolidação do ativismo político de Kopenawa, a partir da década de 1980.  

Já a terceira parte traz um aprofundamento da questão da luta indígena, fala da exploração dos recursos da floresta e aborda também o processo de coleta dos relatos que formaram o livro. 

A obra é um testemunho autobiográfico e, ao mesmo tempo, um manifesto xamânico contra a destruição da Floresta Amazônica e dos povos originários. Considerando que o livro apresenta não apenas o complexo pensamento Yanomami, mas também uma interlocução entre dois universos culturais, é uma ótima ferramenta de aproximação para o público geral.   

 

10) Nós: uma antologia de literatura indígena, Mauricio Negro (org.). São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2019. 

A sabedoria indígena está fortemente relacionada à transmissão oral das narrativas ancestrais, que apresentam o surgimento do mundo, dos humanos e de todos os seres viventes. Nessa antologia de literatura indígena, as narrativas conduzem os leitores por situações e desenlaces próprios desse mundo.  

As dez histórias aqui reunidas são narradas por escritores indígenas, herdeiros de diferentes etnias: Mebengôkré-kayapó, Saterê-mawé, Maraguá, Pirá-tapuya Waíkhana, Balatiponé Umunita, Taurepang, Umuko Masá Desana, Guarani-mbyá, Krenak, Kurâ-bakairi.  

Trata-se de uma ótima oportunidade, para pessoas de diferentes faixas etárias, de conhecer mais da literatura indígena, que carrega um desejo profundo de reatar e fortalecer laços entre nós os ecos das sabedorias antigas.  

 

 

CONTEÚDO EXTRA 

Para quem quiser acompanhar mais sobre o tema por meio de outras mídias, também indicamos: 

“As Guerras da Conquista”, o primeiro episódio da série Guerras do Brasil.doc (Netflix). 

O projeto Vídeos nas Aldeias. 

A programação do Viva Língua Viva, promovido pela Abralin (Associação Brasileira de Linguística) 

 

 

 

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