Como a revitalização sustenta a diversidade linguística

Conheça algumas iniciativas que buscam proteger línguas ameaçadas de desaparecimento

Existem no mundo cerca de 7.000 línguas conhecidas, mas a maioria delas é usada apenas localmente, sem apoio fora de suas comunidades de fala. Com o avanço da colonização e da globalização, muitas dessas línguas estão sendo cada vez menos faladas, tornando-se ameaçadas. Estudos sobre diversidade linguística apontam um declínio significativo no número de idiomas em uso. Atualmente, 473 línguas estão em processo de desaparecimento – ou seja, já não são mais conhecidas ou usadas por nenhuma comunidade. Um número ainda maior é classificado como “ameaçado”, casos em que mesmo os falantes deixam de usar a língua, e as novas gerações não a aprendem. 

Como resposta a essa situação, nos últimos 20 anos, os esforços de revitalização linguística cresceram a um nível que nos permite falar em um movimento global pela preservação da diversidade linguística. No contexto de perda linguística, o termo revitalização compreende a área de ação e estudo que busca manter, recuperar ou fortalecer línguas ameaçadas, adormecidas ou minorizadas (Luiz Amaral, 2020). Esse campo é multidisciplinar, envolvendo não apenas a documentação e descrição linguísticas, mas também aspectos antropológicos, educacionais, tecnológicos, políticos e sociais. Acadêmicos têm se unido a ativistas e falantes de línguas minorizadas para contribuir com sua retomada e proteção. 

 

 

Fig.1 – Entrada do dicionário enciclopédico bilíngue Kuikuro-Português, Volume Inhanhigü (artefatos), 2024. Fonte: Foto de Bruna Franchetto

 

A UNESCO alerta para o desaparecimento acelerado de línguas em todo o mundo. No Brasil, a situação é grave: das mais de 1.000 línguas faladas antes da colonização, restam menos de 200 entre os povos originários. E a perda linguística está ligada ao desaparecimento de outras diversidades – cultural, ambiental e biológica. Por isso, é urgente promover estudos em revitalização linguística nas universidades e formar uma nova geração de linguistas e antropólogos, indígenas e não indígenas, capacitados para atuar na preservação das línguas ameaçadas no país. 

Os mapas etnolinguísticos do professor Jost Gippert (Universidade de Frankfurt) ilustram essa perda radical nas terras baixas da América do Sul. Enquanto o mapa histórico mostra uma grande variedade de povos e línguas, o atual revela um vazio linguístico, especialmente no leste do Brasil. 

 

 

Fig. 2 – Distribuição histórica das línguas indígenas na América do Sul. Fonte: Jost Gippert. South American Languages: Historical Distribution, 1999-2003. Disponível em: http://titus.uni-frankfurt.de/didact/karten/amer/samerim.htm

 

 

Bruna Franchetto (2020) destaca diversos processos de retomada linguística no Brasil, muitos deles associados a lutas por território. Os Kaingang de Nonoai (Rio Grande do Sul) estão revitalizando sua língua, após décadas de interrupção na transmissão intergeracional. Já os Guató tiveram sua língua documentada em caráter emergencial, pois em 2016 restavam apenas dois falantes. Entre os Pataxó, o Patxohã vem sendo recuperado há mais de 20 anos por meio de trabalho coletivo, com registros de anciões e colaboração com os Maxakali, falantes de uma língua da mesma família. Outros exemplos incluem os Kiriri (Bahia), os Kariri-Xocó (Alagoas) e comunidades que retomam o Tupi, como os Potiguara, Tabajara e Tremembé. 

Essas iniciativas mostram que, mesmo diante de desafios, a revitalização linguística é possível – e essencial para a sobrevivência das culturas indígenas. 

 

 

Fig.3 – Patxohã e Maxakali no quadro negro: Reserva Indígena da Jaqueira (BA), 2017. Fonte: Acervo pessoal de Bruna Franchetto

 

 

O Grupo de Estudos em Revitalização Linguística (GERe)
Formado em março de 2024 e coordenado pelos Prof. Dr. Luiz Amaral (da UMass – Amherst) e pela Profa. Dra. Maria Luisa Freitas (da UFPE), o Grupo de Estudos em Revitalização Linguística (GERe) é uma iniciativa de membros da Comissão de Línguas Indígenas da Associação Brasileira de Linguística (Abralin). Seu principal objetivo é construir um espaço formativo e  interdisciplinar de trocas e estudos de distintos temas relacionados à área de Revitalização Linguística, uma área ainda emergente no Brasil.  

A iniciativa inédita surge a partir de duas motivações centrais e correlacionadas. A primeira é a necessidade de formação de pesquisadores envolvidos no GERe, tendo em vista uma programação que visa ao estabelecimento de uma epistemologia específica para a área de revitalização, com a delimitação de escopo, metodologia e objetivos, que se adequem ao amplo e intrincado contexto brasileiro. A segunda razão se relaciona a uma demanda crescente por consultoria e cooperação institucional em iniciativas de revitalização linguística em diversas partes do Brasil. 

O I Encontro do Grupo Estudos em Revitalização Linguística (I EGERe)
O encontro tem como objetivo promover o diálogo e a troca entre pesquisadores e pesquisadoras em distintos níveis (docentes, pesquisadores e estudantes), do Brasil e do exterior que atuem direta ou indiretamente em estudos e projetos em revitalização linguística. O evento busca fomentar o intercâmbio de ideias, o debate acadêmico e o compartilhamento de experiências, contribuindo ao estabelecimento de uma rede interinstitucional de pesquisa-ação 

Essa rede visa definir uma agenda estratégica para a revitalização linguística no Brasil, estabelecendo escopo, metodologias e objetivos adequados à realidade nacional. 

O I EGERe acontecerá de 19 a 22 de maio de 2025 no Museu da Língua Portuguesa em São Paulo. Na manhã do dia 19, de 10h às 12h30, o evento será aberto ao público geral e contará com palestras dos professores Bruna Franchetto (UFRJ) e Luiz Amaral (UMass) sobre a diversidade linguística no Brasil e sobre a área de revitalização linguística no Brasil e no mundo. 

O encontro representa um marco importante para consolidar a revitalização linguística como campo de estudo e ação no Brasil. 

Comissão Organizadora: Luciana Storto (USP), Danilo Paiva Ramos (UFSCar), Luiz Amaral (UMass), Maria Luisa Freitas (UFPE), Lilian Teixeira (UFBA), Evandro Bonfim (UFRJ). 

PARA SABER MAIS 

Vídeos:  

  • Este é o primeiro vídeo da série “Introdução à Revitalização de Línguas Ameaçadas”, ministrado pelo Prof. Dr. Luiz Amaral (clique aqui).
  • Esta entrevista foi gravada como parte do curso de Introdução à Revitalização Linguística da ABRALIN organizado pela Comissão de Línguas Indígenas. Nele a Dra. Márcia Nascimento descreve o Ninho de Língua Kaingang, seu processo de formação,  sua organização, suas atividades e os benefícios para o resgate da língua Kaingang (clique aqui).
  • Abralin ao Vivo -  com Vera Arapyun (Arapyun), Elvis Ferreira de Sá (Fulni-ô), Altaci Kokama (Kokama) e Fábia Fulni-ô (Fulni-ô) (clique aqui).
  • Este vídeo é resultado do trabalho, realizado de 30 de janeiro a 10 de fevereiro de 2017 no curso “Pensando a Língua”, ministrado por Bruna Franchetto (UFRJ), na Reserva Indígena Pataxó da Jaqueira (município de Porto Seguro, BA). O curso foi uma iniciativa do Programa do PROEXT-MEC e da UFSB “Arte, história e língua maxakali-pataxó: educação pública intercultural e integral na região sul da Bahia” (cliquei aqui).

 

Leituras:

AMARAL, Luiz Estratégias para revitalização de línguas ameaçadas e a realidade brasileira. In: Cadernos de Linguística, v. 1, n. 3, p. 01-44. (2020a) (clique aqui)

BOMFIM, Anari Braz. Patxohã: a retomada da língua do povo Pataxó. Revista LinguíStica / Revista do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Volume 13, n.1 jan de 2017, p. 303-327. ISSN 2238-975X 1. 

BONFIM, E. de S.; DURAZZO, L. Retomadas linguísticas indígenas no Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo: um mapeamento etnográfico. In: Scielo Preprints, 2023. (clique aqui)

FRANCHETTO, B. Língua(s): cosmopolíticas, micropolíticas, macropolíticas. Campos – Revista De Antropologia, 21(1), 21–36. 2020. (clique aqui)

NASCIMENTO, Marcia Gojten; MAIA, Marcus; WHAN, Chang. Kanhgág vı̃jagfe -ninho de língua e cultura kaingang na terra indígena Nonoai (RS) –uma proposta de diálogo intercultural com o povo Māori da Nova Zelândia. Revista LinguíStica/ Revista do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Volume 13, n.1 jan de 2017, p. 367-383. ISSN 2238-975X 1. 

 

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