A história da língua portuguesa falada no Brasil é profundamente marcada pelo contato com outros povos, como os indígenas, africanos ou daqueles que para cá migraram nos últimos séculos. Neste artigo, você verá a imensa contribuição das culturas e línguas daqueles que vieram para o Brasil em busca de uma nova vida
A história de uma língua é inseparável da de seus falantes, daqueles que a herdaram, a modificaram e a recriaram ao longo do tempo. Neste quarto arco narrativo, vamos continuar nossa viagem pela formação histórica da nossa língua (confira também o primeiro, o segundo e o terceiro), dessa vez caminhando pela presença de imigrantes na língua portuguesa apresentada na experiência Português do Brasil, da exposição principal do Museu da Língua Portuguesa.
Imigrantes a bordo de um navio, em que se percebe uma maior concentração de pessoas na parte da proa da embarcação, 1905 / Foto de Waldemar Abegg/akg-images
Panorama
A partir da segunda metade do século XIX, ocorreram fluxos migratórios de trabalhadores europeus e asiáticos. Entre 1850 e 1950, movidos por dificuldades econômicas, conflitos étnicos e guerras, sem condições de permanecer em seus países ou desejosos de melhorar de vida, milhões de italianos, alemães, japoneses, sírios, libaneses, chineses e poloneses, entre outros, instalaram-se no Brasil. Os imigrantes e seus descendentes criaram raízes, e muitos de seus traços linguísticos foram incorporados ao modo de falar o português nas terras brasileiras. No vídeo abaixo, o historiador Boris Fausto apresenta como se deu esse processo, com as especificidades de cada povo.
Grande parte das imigrações ocorreu desde a Europa, continente que, durante o século XIX, viveu grande turbulência econômica e política. Populações da Itália, Espanha, Portugal e Alemanha sofriam com desemprego, destituição de suas terras, pobreza e fome, e a emigração era uma das alternativas de sobrevivência. Em 1880, o Brasil se tornou o maior produtor e exportador de café do mundo, e as lavouras necessitavam de grandes contingentes de trabalhadores. Com a iminência da abolição, para substituir a mão de obra escravizada, que era a base da economia, os grandes proprietários rurais procuravam uma alternativa barata.
Imigrantes em navio recém-chegados ao Brasil, c. 1900 /Autoria desconhecida. Acervo do Museu da Imigração de São Paulo
Havia também um pensamento corrente nas classes dominantes no país, fundado no racismo, de que era preciso promover o “branqueamento” da população nacional, majoritariamente negra. Acreditaram também que os chamados “grandes vazios” de terras no interior do território precisavam ser colonizados por pessoas experientes na lavoura. Assim, com o incentivo e o financiamento do Estado, o Brasil começou a receber os imigrantes da diáspora europeia.
Em janeiro de 1908, foi publicado “O Immigrante”, material produzido pelo governo do Estado de São Paulo para orientar as pessoas recém-chegadas.
Cotidiano
Jornais escritos em diversas línguas circulavam nas comunidades de imigrantes no começo do século XX. Eles traziam informações sobre documentos e leis e notícias dos países de origem, e as pessoas faziam publicidade de seus negócios. Essas publicações tinham também um importante papel político. Era o caso, por exemplo, dos jornais dos anarquistas e socialistas, movimentos ligados aos operários italianos que haviam se engajado nas indústrias e manufaturas de São Paulo.
Jornais e periódicos foram instrumento de organização de comunidades de imigrantes no Brasil / Imagem do periódico “La voz de España”, de 04/03/1902. Acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo
Nos portos, navios e hospedarias, tudo é desconhecido, diferente, especialmente a língua. Para atravessar continentes e oceanos, o imigrante leva uma ou duas mudas de roupa, um cobertor, objetos de uso pessoal, uma carta de recomendação, algum dinheiro, uma relíquia, uma foto de família, o instrumento de seu ofício.
Modelo de mata utilizada no começo do século XX. Acervo Museu da Língua Portuguesa
Ainda que possamos localizar os processos migratórios no tempo e nos contextos histórico-sociais, cada pessoa carrega consigo uma história própria, com suas lembranças, aprendizados e saudades. Vamos aqui acompanhar algumas delas.
Heranças linguísticas
Com a imigração, a língua portuguesa do Brasil foi assimilando novos vocábulos, expressões e modos de falar de outros territórios. Ao longo do século XX, muitos deles se generalizaram pelo país. A palavra italiana “ciao”, por exemplo, tornou-se uma das mais comuns da língua portuguesa: tchau. Em italiano, “ciao” é uma saudação informal utilizada tanto na despedida como na chegada. No Brasil, ela só é empregada em situações de despedida.
Para terminar esse percurso, ouça agora a atriz Denise Fraga lendo os textos “Sodades de Zan Paolo” e “O studenti du Bó Ritiro”, escritos por Alexandre Ribeiro Marcondes Machado em 1915 e presentes na publicação La Divina Increnca.