Preconceito linguístico – uma entrevista com Eduardo Calbucci

A língua portuguesa é tema de muitas pesquisas e reflexões. No Museu, essa reflexão era feita de forma diferente: por meio de visitas monitoradas, os educadores estimulavam o visitante a pensar sobre o idioma e seu processo de transformação. Desde sua formação até os dias atuais, a língua portuguesa vem se modificando e dando origem a novas palavras, expressões e formas de se comunicar, o que mostra que ela é viva.

 

Para entender alguns dos processos pelos quais o idioma passa, convidamos Eduardo Calbucci, mestre e doutor em Linguística pela FFLCH-USP, para uma entrevista. Eduardo foi curador da exposição “Menas – O Certo do Errado, O Errado do Certo”, do Museu da Língua Portuguesa. Confira o bate-papo na íntegra:

 

Museu da Língua Portuguesa: Eduardo, o que é preconceito linguístico?

Eduardo Calbucci: Simplificadamente: é a tendência de desvalorizar uma determinada variedade linguística, normalmente usada por um grupo social que também é vítima de preconceito. O preconceito linguístico parte da ideia, equivocada, de que existem formas de usar o idioma que são, por natureza, superiores a outras.

 

MLP: Você pode dizer como surge o preconceito linguístico e por que ele existe?

EC: Parece-me que o preconceito linguístico é uma consequência dos preconceitos sociais, raciais e geográficos. Certos grupos, historicamente oprimidos, passam a ter suas formas de expressão condenadas por uma elite que ignora a importância da variação linguística para a riqueza do idioma.

 

MLP: Embora a gente saiba da diversidade cultural do Brasil e seus falares, por que ainda persiste o estigma de certo X errado na fala?

EC: Isso existe em todo lugar do mundo. Talvez as pessoas queiram que a língua seja mais lógica do que ela é de fato e, além disso, imaginam que, usando a linguagem supostamente “correta”, vão se comunicar de forma mais eficiente, o que é um equívoco.

 

MLP: Com o fato de as gerações mais jovens serem mais tolerantes, você acha possível que o preconceito linguístico deixe de existir?

EC: Espero que sim, embora seja um processo demorado. Creio que, com a diminuição dos demais preconceitos – sociais, raciais, geográficos, religiosos de gênero, de orientação sexual –, o preconceito linguístico também diminua.

 

MLP: Como professor de língua portuguesa, como você analisa a influência da Internet na escrita e na fala dos jovens?

EC: A maioria absoluta dos jovens sabe que a linguagem da internet serve para contextos específicos de comunicação. Confesso que não tenho percebido crianças e adolescentes com dificuldade de escrever em situações formais por causa do internetês.

 

MLP: Como é estipulado o padrão culto do idioma?

EC: Essa é uma discussão complicada. Esse padrão já foi definido pela obra dos grandes escritores ou pela erudição de alguns gramáticos. Hoje em dia, podemos fazer pesquisas de “corpus”, com levantamentos estatísticos que apontam quais são as construções mais usadas em contextos formais de comunicação. Por isso, a norma culta não é mais o que queremos que ela seja, mas o que ela efetivamente é.

 

MLP: Por que o registro popular do idioma é importante?

EC: Porque nenhum falante da língua usa os registros cultos a todo tempo. E mais que isso: porque as variedades populares têm uma riqueza, uma agilidade, uma criatividade que tornam o idioma cada vez mais vivo.

 

MLP: Nem todas as palavras usadas no registro popular do idioma são dicionarizadas. Como um termo popular se torna oficial da língua portuguesa?

EC: O uso determina isso. Por esse motivo, dicionários devem ser refeitos de tempos em tempos, para que possam incluir palavras novas.

 

MLP: Qual foi sua maior dificuldade como curador da exposição “Menas – O Certo do Errado, o Errado do Certo”, levando em consideração o fato de que o Museu da Língua Portuguesa recebe pessoas mais abertas e outras mais conservadoras?

EC: Achamos que teríamos problemas com pessoas de perfil linguístico mais conservador, mas a verdade é que a exposição foi um imenso sucesso, sinal de que o público de não especialistas começa a se familiarizar com os conceitos de variação linguística.

 

MLP: Como você interpreta a frase de Evanildo Bechara, usada por você e pelo professor Ataliba na exposição Menas: “Quero ser um poliglota em minha própria língua”? 

EC: Trata-se da necessidade de escolher a variedade linguística mais adequada a cada situação de comunicação. Essa capacidade é mais importante para a vida social do que o mero conhecimento do padrão culto da língua.

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